Vamos à Farmácia | Ana Quintela
Canábis – terá mesmo benefícios terapêuticos?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) acredita que a canábis poderá ter algum uso terapêutico, porém admite que é necessária mais evidência e estudos quanto à sua aplicação em determinadas doenças.
Em Portugal, após pedido de parecer ao Conselho Nacional da Política do Medicamento, a Ordem dos Médicos também já se manifestou. Concorda com a utilização da canábis para fins terapêuticos em adultos com dor crónica, náuseas e vómitos decorrentes de tratamentos oncológicos e no controlo da ansiedade. Não concordam com a sua utilização pura, sob a forma de fumo, mas sim com uma terapêutica sob a forma de medicamentos derivados em comprimidos, óleos e sprays. Terapêutica esta que deverá ser sempre alternativa e nunca de primeira linha, ou seja, só quando outras medidas de tratamento e alívio de sintomas não tenham sido eficazes.
A canábis é constituída por substâncias que promovem o seu efeito medicinal e o seu efeito tóxico.
De momento foram identificadas duas principais substâncias activas com propriedades terapêuticas na canábis. O canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC). Enquanto o THC, podendo ter algum efeito terapêutico, é maioritariamente responsável pela dependência e pelos efeitos neurotóxicos da canábis, o CBD está mais associado às suas propriedades terapêuticas não tóxicas.
Por estes motivos, a canábis não deve ser fumada. O ideal será sempre separar estes componentes, preferencialmente isolando a quantidade adequada de CBD ou THC para um uso terapêutico específico.
Que doenças podem beneficiar do seu uso?
Glaucoma
Existem apenas alguns estudos antigos que relacionam o uso de canábis a uma diminuição da pressão ocular, atrasando a progressão da doença e prevenindo a probabilidade de cegueira.
Epilepsia
Foi feito um estudo que evidenciou a capacidade da canábis prevenir convulsões epiléticas. Acredita-se que o THC presente na canábis é capaz de se ligar às células nervosas, controlando a sua excitabilidade. No entanto, é uma área terapêutica ainda pouco estudada.
Cancro
A canábis é eficaz no alívio da dor em situações de cancro e na redução das náuseas e vómitos associados aos tratamentos oncológicos, promovendo ainda nestes doentes um estímulo do apetite.
Já foi possível verificar que o CBD presente na canábis consegue diminuir a expressão do gene ID-1 no cancro da mama, regulando assim a agressividade do tumor. Não se verificou toxicidade deste canabinóide e reconhece-se a sua vantajosa utilização em qualquer tipo de cancro que exiba elevados níveis de expressão celular do gene ID-1 (ex.: cancros cerebral e da próstata).
Ansiedade
Existe já um estudo que relaciona o uso de doses baixas de canábis com uma melhoria de estados de ansiedade, devido ao seu efeito sedativo. No entanto, está já estabelecido que doses elevadas podem levar ao contrário, desencadeando quadros de paranoia e ansiedade aumentada.
No que diz respeito à utilização da canábis em sintomas psiquiátricos há muita discordância a nível clínico. Enquanto alguns estudos tentam evidenciar os seus benefícios terapêuticos na doença bipolar, em perturbações do sono e ansiedade, outros estudos enfatizam os efeitos tóxicos da canábis, bem como os sintomas psiquiátricos que advêm da sua utilização.
Doença de Alzheimer
Em 2006 foi descoberto que o THC atrasa a formação das placas da proteína beta-amilóide, que se acumulam no cérebro dos doentes de Alzheimer. Admite-se que a canábis possa mesmo ajudar a remover a beta-amilóide e a reduzir a inflamação cerebral, podendo desta forma atrasar bastante a evolução desta doença.
Esclerose múltipla
A esclerose múltipla está associada a contracções musculares (espasmos) muito dolorosas. Como o THC se liga a receptores nervosos e musculares para aliviar a dor, muitos doentes nos quais outras terapêuticas já não eram eficazes, após alguns dias de tratamento verificaram melhoria na dor e nos espasmos.
Doença de Crohn e outras doenças inflamatórias intestinais
Em 2010 estudou-se mais aprofundadamente a interacção do THC e do CBD com as células que têm funções importantes a nível intestinal e imunológico. Fez-se um pequeno estudo que evidenciou o efeito benéfico da canábis em doentes com colite ulcerosa e doença de Crohn. Nestes doentes melhorou-se a qualidade de vida com o alívio da dor e a diminuição dos episódios de diarreia.
Artrite Reumatóide
Em 2011 foi publicado um estudo de onde se concluiu que a canábis alivia a dor, reduz a inflamação e melhora o sono em doentes com artrite reumatóide.
A toxicidade da canábis é ainda um problema grave a ter em consideração.
A utilização da canábis a longo prazo está associada a paranoia, delírio persecutório (perseguição) e alucinações. Em utilizadores crónicos verifica-se alterações na memória de curta-duração, na capacidade de tomar de decisões e alterações de humor. Doses elevadas tomadas continuamente, estão muito associadas a psicose e ansiedade severa.
Em 2012 verificou-se que quanto mais cedo na vida é utilizada a canábis, mais danos permanentes são causados no cérebro. Estas alterações cognitivas nunca conseguirão ser restauradas em idade adulta, mesmo em pessoas que nunca mais voltem a utilizar a canábis.
A curto prazo, a canábis reduz a coordenação, a percepção, a capacidade de reacção na condução e a aptidão para resolver problemas. Quando fumada pode também rapidamente agravar doenças respiratórias.
A canábis pode provocar infertilidade.
Diversos estudos evidenciam que os utilizadores de canábis têm alterações no esperma, com uma contagem dos espermatozoides e respectiva mobilidade alterada, estando portanto o seu consumo associado à infertilidade. No caso das mulheres, a canábis está também associada a distúrbios na fertilidade por provocar alterações nos ciclos menstruais e por poder levar a danos irreversíveis nos ovários.